OPINIÃO

Parem o mundo, por favor?!


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Uma vez que somos “habitantes” de corpos com capacidade de locomover pelo ambiente terrestre (são várias as adaptações nos músculos, tendões e ossos feitas para isso), é fundamental que saibamos exatamente qual é a nossa “posição” no espaço em que nos locomovemos.

Isso é tão importante que existem vários sistemas que cuidam disso, de maneira redundante, ou seja, trabalham em conjunto, um apoiando o outro para um “resultado” mais preciso. A postura corporal e o bom alinhamento com nosso centro de gravidade permitem que fiquemos em pé (por exemplo) com o mínimo de esforço e máximo de segurança para nossa integridade física.

Na linguagem coloquial, diferentes órgãos trabalham juntos para manter o nosso equilíbrio. Receptores nas articulações e mesmo junto aos nossos dentes criam um mapa mental da nossa postura segundo as pressões que aplicamos sobre eles. Os olhos são muito importantes para isso também, nos nivelando em relação à linha do horizonte e outras estruturas verticais.

Agora, um “aparelho” que influencia muito na sensação de equilíbrio, bem antigo na evolução da espécie, são os labirintos. Estruturalmente complexo, parte forma de anel e parte forma de “caracol”, situado dentro dos ossos salientes na base do nosso crânio. A vantagem desse sistema é que ele sempre está “ligado”, diferente dos olhos, que se fechados, pouco ajudam para saber em que posição estamos no espaço. Os labirintos, ao contrário, são sempre “sentidos”. A desvantagem, contudo... também é essa!

Caso ocorra algo que influencie “a leitura” entre o “aparelho” de um lado em relação ao outro, o cérebro fica confuso ao tentar interpretar os dois sinais, fornecendo como “resultado” a sensação rotatória e extremamente desagradável, chamada de “vertigem”. Quando ocorre, a vertigem infelizmente não pode ser “desligada” sendo altamente inabilitante, virando caso para pronto socorro.

Agora, para além da fisiologia do sintoma, é interessante para nossa discussão semanal a percepção de que a vertigem é resultado de uma tentativa (falha) do sistema nervoso fornecer uma informação precisa da “realidade”. Quando sentimos o mundo “rodando”, ele, de fato, não o está.

O enjoo e a incoordenação de movimento que advém da vertigem decorrem de uma percepção equivocada. Contudo, por estarmos irremediavelmente ligados aos nossos cérebros para “sabermos” o que ocorre no mundo “de fora” de nós mesmos, somos forçados a acreditar na instabilidade que sentimos e a vivenciamos. Infelizmente.

Com essa “divagação fisiológica” eu aprendi uma lição e agora a compartilho com vocês:  por vezes usamos o mesmo sistema nervoso para antecipar fatos e desafios da vida. Desde o observar das nuvens de manhã para saber se saímos de casa com um guarda-chuva ou se atentar ao comportamento das pessoas para inferir o que acham sobre determinada situação, tudo é construído a partir de percepções sutis captadas ativamente por nós mesmos.

Para que não corramos o risco de ter uma “vertigem cognitiva” devido ao excesso de palpites e inferências (na ansiedade de antecipar o insondável) criando resultados irreais, mas paralisantes do fluxo da vida, que tal dar o “benefício da dúvida” à várias percepções e viver um pouco mais leve portando somente aquilo que temos mais certeza da veracidade?


Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia ([email protected])

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