Quando pensamos em analfabetismo, a primeira ideia que nos vem é a das pessoas que não sabem ler, escrever e contar. Geralmente as pessoas mais velhas que não tiveram a oportunidade de frequentar escolas. No entanto, existe um outro analfabetismo, tão dramático, que é o analfabetismo funcional.
Os dados divulgados em maio pelo Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), coordenado pela ONG Ação Educativa, revelam uma realidade inquietante: 29% da população brasileira entre 15 e 64 anos é formada por analfabetos funcionais.
Pessoas consideradas analfabetas funcionais têm dificuldades para realizar tarefas cotidianas básicas que envolvem leitura, escrita e cálculos elementares, mesmo sabendo "ler e escrever". Veja alguns exemplos concretos, apresentados pela pesquisa, de atividades do dia a dia que esse grupo geralmente não consegue realizar de forma autônoma: ler uma bula de remédio para identificar a dosagem correta; interpretar um aviso em um local público (como "proibido estacionar das 18h às 6h"); seguir instruções escritas em uma embalagem, como modo de preparo de um alimento ou instruções de uso de um produto de limpeza; preencher um formulário.
Na área de matemática não é muito diferente. As dificuldades se apresentam em como calcular o troco ao fazer uma compra simples em dinheiro; comparar preços em uma promoção, entendendo o que realmente está mais barato; fazer a leitura de contas, como água e luz, compreendendo a data de vencimento; entender um extrato bancário.
Essa dificuldade se apresenta também em ações comunitárias, como participar de uma reunião de condomínio ou de uma reunião de pais na escola, entendendo o que está sendo discutido.
Esses exemplos mostram que o analfabetismo funcional vai muito além de não saber ler ou escrever palavras — trata-se da incapacidade de usar a leitura, a escrita e o raciocínio matemático de forma eficaz na vida real.
A pesquisa destaca também que 27% dos trabalhadores brasileiros são analfabetos funcionais. Mesmo entre aqueles com ensino superior completo, 12% se encontram nesse grupo.
O estudo também revela disparidades entre diferentes grupos da população. Entre os brancos, 28% são analfabetos funcionais, enquanto entre a população negra é de 30%. Entre amarelos e indígenas, sobe para 47%.
Outro dado relevante é que o Brasil não avançou na redução do analfabetismo funcional nos últimos anos. O índice apurado na pesquisa em 2018, permaneceu inalterado em 2024.
A superação do analfabetismo funcional é essencial para garantir o pleno exercício da cidadania, pois impede milhões de brasileiros de terem autonomia em suas escolhas e até arem seus direitos básicos.
Francisco Carbonari é ex-secretário de educação de Jundiaí ([email protected])