OPINIÃO

A natureza nos chama


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Nossa insensibilidade e ignorância nos levaram a pensar que somos “donos” da natureza e não apenas uma parte dela. Infligimos maus-tratos contínuos, durante séculos, ao ambiente que integramos. O resultado está nas catástrofes que o planeta inteiro enfrenta e que se tornarão cada dia mais intensos, violentos e frequentes.

Não é preciso ir muito longe. O que acontece em nosso País deveria ser o suficiente para nos alertar de que somos obrigados a mudar nosso comportamento. Nos primeiros 99 dias de 2025, tivemos quase seis milhões de pessoas afetadas por calamidades climáticas. 925 municípios sofreram desastres que foram provocados por ação humana, com 115 mortes e quase trinta bilhões de prejuízos. Tivemos 12.300 deslizamentos e 71.800 pessoas desabrigadas no Brasil.

Isso apenas nos três primeiros meses deste ano em que ainda enfrentaremos muitos outros pela frente. Os dados são do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres.

O que fazer diante disso?

É preciso acordar. Não há mais tempo a perder. É urgente compartilhar conhecimento, buscando todas as fontes de referência disponíveis. O avanço na tecnologia da informação e comunicação nos municia de um arsenal imenso de dados. Trabalhar com as evidências.

Mapear os desafios, que são muitos e crescentes. As municipalidades têm de adotar seus planos de contingência, formar departamentos de emergência climática, fazer com que a deterioração da natureza seja objeto de reflexão e – mais do que isso – de atuação concreta do Poder Público e da coletividade. É obrigação cidadã propor melhorias, delatar condições de vulnerabilidade extrema, para que ninguém possa argumentar – depois da tragédia – que não sabia, que não foi avisado da gravidade da situação.

Aprender com outros povos. Os japoneses, há séculos, treinam suas crianças para atuar nos momentos de tragédia. Ali existem terremotos, que são imprevisíveis, incontroláveis e inevitáveis. Cada criança sabe exatamente o que fazer quando sentir a terra tremer. Isso forma gerações cuidadoras, que superam as desgraças e poupam vidas preciosas.

Em cada classe de escola, desde o pré até à pós-graduação, deve-se falar sobre o assunto e estimular a criatividade para que se encontrem respostas para questões às vezes singelas, mas consideradas insolúveis pela inércia generalizada.

O município é o lugar em que essa atuação precisa ser mais intensa e efetiva. É na cidade que as pessoas moram, não na União, nem no Estado. A cidadania tem de exigir a implantação de Planos Municipais de Resiliência. Essa é a palavra-chave que tem de entrar em todos os discursos. Investir em capacitação continuada, para que a defesa civil não seja tema a poucos ou a departamentos estatais reduzidos. Todo cidadão deve ser um guardião de sua cidade, saber desempenhar papeis de cuidadores a enfermeiros, ter iniciativa para fazer o que for necessário quando a hora extrema chegar.

Impõe-se conferir consistência ao diálogo entre Ciência, gestão pública e sociedade civil, para que a Justiça Climática seja objeto de trabalho profícuo em cada cidade. É, sim, uma questão de Justiça, porque os mais vulneráveis são as vítimas preferenciais desses eventos extremos.

Em síntese, não se satisfazer com a inclusão de uma disciplina chamada “Educação Ambiental” nos currículos escolares. Cuidar do ambiente e da natureza é algo que tem de ser introjetado na consciência de cada um. Em qualquer idade e quanto mais cedo melhor.

A natureza nos chama. Ela está justificadamente ferida e zangada. É melhor atender a esse chamado. Para nos poupar males irreparáveis. Como aqueles que já têm sido ados por populações que não levaram o chamado a sério.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo ([email protected])

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