OPINIÃO

É preciso reencontrar-se com o maternar


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Lançamos, na última semana, um podcast com a psicanalista Maria Célia Gabarrot, sobre os bebês reborns. Uma febre mundial de mulheres que tratam bonecas super-realistas como filhos de verdade, a ponto de quererem levá-las ao shopping ou à vacinação (não, não estou brincando).

A primeira vez que me deparei com um post destes nas redes sociais, achei que era meme. Depois, vi que não era não. Ao contrário das demais reações que presenciei, tudo aquilo me entristeceu.

Como planeta, não estamos mais conseguindo repor a população mundial - que irá encolher nos próximos anos. Do ponto de vista de saúde e sustentabilidade, pode ser uma forma de a Terra sobreviver. Do ponto de vista do futuro econômico (incluindo o previdenciário), uma catástrofe.

Há tempo me causava angústia os Instagrams de jovens mães reclamando da maternidade. Saímos da mãe ideal, para aquela que não a a tarefa. Dois extremos.

Como tenho jovens adultas ao meu lado, eu sempre reforço como é maravilhoso trilhar o caminho da maternidade, como é uma bênção poder amamentar e criar um fluxo eterno de amor com seus filhos, sem idealismo, com o pé no chão mesmo.

Mesmo sendo mãe sola, em nenhum momento maternar foi sinônimo de castigo. Foi um barato, transformador, abençoado. Não teria metade dos conhecimentos que tenho hoje sem meus filhos.

Mas o que vejo é o oposto. Gente que acha que filho dá trabalho demais - e dá mesmo! E parte para outra vida, o que é superválido também. Tem gente que não nasceu para maternar e não devia mesmo insistir neste papel. E isso não a desqualifica ou qualifica como ser humano. É somente mais uma opção.

Agora, não dá para substituir filhos por bonecos. Quando vi mulheres adultas carregando seus reborns, me caiu a ficha. A gente não tá dando - como estado, fomentador de políticas públicas - a oportunidade destas mulheres exercerem seus papeis maternais. Entre essa discussão de como a vida tá dura, as mulheres desistem. E esse desistir pode ser suficiente para a vida econômica, mas não o é para a vida espiritual. Ao envelhecerem, patologicamente buscam figuras para o maternar. Triste sociedade em que o ser bem-sucedido, ter uma vida econômica estável, ter dinheiro prevalece sobre o amor incondicional.

Celia Gabarrot nos garantiu que, quando se começa a achar que um reborn pode substituir a realidade, é hora de buscar apoio psicológico.    

Se eu detivesse os poderes mágicos de mudar as políticas públicas, iria olhar com amor sobre este problema. E instituir licença maternidade de um ano, criar mais creches públicas, escolas integrais e soluções - como na França - para ter cuidadoras residenciais próximas aos bairros. Para nossas meninas se tornarem mães será preciso muito esforço. Porque maternar não pode ser uma ação individual. Ela é coletiva.

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, istração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ.  

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