Se na outra semana listei uma galera de vilões, canalhas e crápulas, agora elenco a turma do lado radioso da força: os mocinhos e mocinhas da ficção. A lista é pequena, rascunhada unicamente pela memória afetiva. Começo por Geraldo Boaventura, o Viramundo, de “O Grande Mentecapto”, de Fernando Sabino. Heroi picaresco e simpático, perambulador das cidades de Minas Gerais, o sujeito se mete em enrascadas e situações muitas vezes cômicas. Tem ainda o Peri, de “O Guarani”, de José de Alencar, super-heroi romântico brasileiro. Ele a as malcriações da mimada Ceci até onde sua ilimitada paixão se estende. Tem também a Carolina, de “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, brejeira e alto-astral, apaixonada desde a infância pelo bonitão Augusto.
Ana Terra, da saga “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo, tudo a, a tudo resiste, dona de imensa coragem. E sobrevive a batalhas mil que os homens no derredor teimam em lutar. Da mesma linhagem familiar e romanesca, dessas mulheres duras na queda, aparece Bibiana Terra (neta de Ana) e companheira do gaudério capitão Rodrigo.
E o que dizer de dona Fernanda, personagem secundária do “Quincas Borba”, de Machado de Assis, a única que se preocupa de maneira desinteressada pelo ensandecido Rubião? Ainda que o escritor não curta o maniqueísmo de bonzinhos contra malvadões, sem dúvida que se trata de uma senhora do bem. Assim como é do bem a sofrida Mercedes, de “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas. Quando moça, estava noiva de um promissor capitão da marinha mercantil. Depois de muitas peripécias, reencontra-o na figura do vingativo Conde de Monte Cristo, irreconhecível quando comparado ao jovem Edmond, seu noivo de décadas adas. Mercedes mantém a dignidade ao longo das trocentas páginas do folhetim. Se atravessarmos o Canal da Mancha e aportarmos na Inglaterra de Harry Potter, encontraremos Molly, matriarca dos Weasley. A sua prole imensa, ela agrega mais um: o órfão Harry, amigão de seu filho Ron e futuro genro (vai se casar com a caçula dos Weasley, Gina).
Permanecendo na famosa ilha, um genial dramaturgo chamado Willian criou a bondosa Ama, dama de companhia e confidente de Julieta Capuleto, da shakespeariana peça “Romeu e Julieta”.
A Mariana, de “Amor de perdição”, do portuga Camilo Castelo Branco, é dessas personagens carregadas dos exageros que românticos sabem imprimir. Abnegada, sacrifica-se por seu amado Simão, mesmo sabendo que o rapaz é apaixonado por Teresa. Triângulo amoroso nesse açucaradíssimo folhetim do século 19. Retornemos ao Brasil, “nos verdes mares bravios“ do Ceará, onde viveu a indígena Iracema, de Alencar. É uma garota do bem, embora seu pêndulo oscile entre “curtir paixão” por Martim e “bancar a otária”. Mais adiante, no século 20, aparece Ci, grande amor de Macunaíma, o “heroi sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade. De agem curta, porém marcante no livro, Ci é dessas personagens brabas. Para encerrar, lembro do paizão do narrador de “Quase memória”, de Carlos Heitor Cony. Agregador e boa praça, o pai não foi um santo, mas foi do bem. É o que nos basta.
Fernando Bandini é professor de Literatura ([email protected])