Semanas após a escolha do novo Papa, católicos e o resto do mundo não sabem ao certo o que esperar do sucessor de Francisco. Olhar para o ado pode, no entanto, nos dar pistas do futuro do novo líder católico.
Nascido na periferia de Chicago em 14 de setembro de 1955, Robert Francis Prevost teve uma infância discreta e devotada à igreja católica, graças aos seus pais de descendência europeia, contrariando a tradição protestante dos Estados Unidos. Em 1977, ingressou na Ordem de Santo Agostinho e, em 1981, fez seus votos de devoção aos agostinianos.
Prevost viveu duas décadas no Peru, onde chegou em 1985 para atuar como vice-pároco na cidade de Chulucanas, na região de Piura. Em 1988 foi enviado para a província peruana de Trujillo, onde ou 11 anos.
Tornou-se bispo de Chiclayo - também no Peru - em 2015 e, em 2023, foi nomeado por Francisco (Jorge Mário Bergoglio) ao Dicastério para os Bispos, cargo similar a de um "prefeito". Ainda naquele ano, tornou-se cardeal, o que permitiu participar do conclave que culminou em sua escolha para o posto máximo da Igreja Católica.
Em seu discurso como Papa, no último dia 8 de maio, disse que era um "filho de Santo Agostinho", o que explica sua trajetória acadêmica como matemático, com mestrado em Teologia e doutorado em Direito Canônico pelo Colégio Pontifício de São Tomás de Aquino, em Roma, o que faz dele, depois de Bento XVI (Joseph Ratzinger), o pontífice mais intelectual da era moderna.
Santo Agostinho foi considerado o "primeiro doutor" da Igreja Católica, por unir fé e razão. Se converteu ao catolicismo no século V após ter tido contato com as cartas de São Paulo e com os textos de Platão. Santo Agostinho "cristianizou" o pensamento platônico, trazendo para a doutrina católica a ideia dualista de corpo que sente, deseja e morre, contra uma alma que pensa, transcende e vive eternamente.
Suas formações acadêmicas alinhadas à sua ordem de fé, também indicam que tratará assuntos da Santa Sé com toda racionalidade que lhe compete. Ser doutor em Direito Canônico será fundamental para o novo Papa, pois ele tem total domínio sobre as leis que julgam e regulam todos os membros da Igreja Católica.
Para você ter uma ideia, durante o bispado em Chiclayo, Peru, Prevost subiu na hierarquia da Igreja Católica peruana, mas também foi acusado de ter encoberto denúncias de abuso sexual atribuídas a dois padres. A diocese esclareceu que foi o próprio Prevost quem levou o caso para ser investigado pelo Vaticano. Leão XIV pode ser uma solução para resolver um problema que explodiu dentro dos muros da igreja em 2015, quando investigações da igreja espanhola indicou que, desde a década de 1940, foram descobertos 728 supostos agressores e 927 vítimas de abuso sexual.
Será esse o rugido do Leão que, conforme a tradição de seu nome, promete conduzir a Igreja Católica com pulso firme. Mas a escolha do nome Leão XIV por Prevost está diretamente ligada a Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi, o Papa Leão XIII. Franciscano e devoto de São Tomás de Aquino, o que fazia de Leão XIII um Papa preocupado com os pobres, sobretudo com os direitos sociais dos trabalhadores e um estudioso abriu os arquivos secretos do Vaticano "para que todos possam ver claramente que a Igreja e seus pastores não se opõem à ciência verdadeira e sólida".
Ser um Leão, nesse contexto, pode significar que Prevost continuará a erguer sua bandeira pelos pobres, assim como fez por boa parte de sua jornada espiritual no Peru, país que o acolheu como cidadão em 2015. Foi lá que Prevost fez voz ativa contra Alberto Kenya Fujimori, ex-ditador peruano que, por exemplo, mandou esterilizar à força 200 mil mulheres, numa política de controle de natalidade aplicada pelo governo.
Tudo indica para um papado progressista, mas não é bem assim. Leão XIV criticou como a mídia ocidental está simpatizada por crenças e práticas que, segundo ele, vão contra o Evangelho. Prevost citou explicitamente "o estilo de vida homossexual" e "famílias alternativas compostas por casais do mesmo sexo e seus filhos adotivos". Além disso, já se opôs à inclusão de conteúdo sobre gênero nas escolas, afirmando que a chamada "ideologia de gênero" era confusa e criava "gêneros que não existem".
A única coisa que temos - se é que temos - é o presente, esse momento fugidio e instantâneo, nos ensina a esperar com a experiência do que ou e a esperança do que pode vir. Mas nem o que foi e nem o que será pode nos dar certeza sobre o que de fato é. Eis o tempo de Leão.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação ([email protected])