OPINIÃO

Home office e suas personas


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A pandemia trouxe uma série de desafios para todos, de forma irrestrita, sendo que os primeiros que saltam à nossa mente têm a ver com perdas, sofrimento, medo e incerteza do futuro. No entanto, como é típico da natureza humana, a partir destas demandas nos adaptamos e muitas vezes aprendemos algo que, advindo pela “via suave e sem pressão”, levaríamos muito tempo para descobrir.

É o famoso “fazer dos limões uma limonada”.

Surgiram, então, os avanços na área da saúde que o tratamento da covid nos trouxe, mas, na minha opinião, são de igual importância os aprendizados na área de mente e psiquismo humano que a experiência de afastamento social nos “obrigou” a incorporar.

O home office popularizou-se deste processo, parecendo ser uma solução “pronta”, ainda que pouco usada, quando precisávamos continuar trabalhando e nos comunicando, mas sem nos encontrarmos no ambiente de trabalho. Após superados os medos do momento (graças!) a tendência começou a querer se tornar regra, visto os benefícios evidentes: economia de tempo e dinheiro em deslocamento, proximidade da família e mesmo a possibilidade de investir o tempo em lazer.

Não é fantástico? Talvez. Temos que pensar no “elo mais fraco da corrente”, o que costuma ser... nós mesmos!

No “pacote” de solução do home office vêm desafios de ordem muito prática, onde um mobiliário domiciliar que antes poderia ser mais decorativo e descontraído teve que se tornar funcional e ergonômico, com encostos para a coluna lombar e cervical, e para os pés e mesas de altura correta. Ambientes inteiros deixaram de ser dormitórios para se transformarem em escritórios.

Muda-se o layout da casa, mas procura-se manter o conforto dentro dos ambientes que sobram para acomodar dois ambientes em um lugar só: o de produtividade e o de convívio familiar. Mudança nem sempre tão fácil, levando corpos com sedentarismo se manifestarem com tendinites e outras dores decorrentes desta adaptação

Não para aí. A congruência física do domicílio com o lugar de trabalho não significa que nos tornamos “empregados” em tempo integral, ou pelo menos, assim deveria ser. Exercemos outros papeis para além da nossa roupagem profissional: somos filhos, cônjuges, pais e amigos, e, ainda que a “essência” do nosso ser seja sempre a mesma e seja a base de cada uma destas “personas”, temos que saber separar cada uma nas suas atuações.

Proximidade de ambientes por vezes dificulta essa “divisão”, fazendo, de repente, que um comportamento incisivo e pontual que é desejado em uma executiva contamine a relação entre mãe e filha, relação que deveria ser baseada no acolhimento, na escuta e tolerância. 

A disciplina para horários a a ser mais solicitada, já que não existem supervisores sobre horários de início e fim das jornadas de trabalho (e de atuação profissional), mas, ao mesmo tempo, surgem as possibilidades de infringir essa disciplina repetidamente, dado que informações e demandas domésticas, mesmo as mais simples, chegam com a mesma prioridade e velocidade que as profissionais, diferente do que era antes.

Home office se mostrou bem útil, mas tem seus desafios particulares para a saúde física e mental. Reconhecê-los e dar-lhes a atenção necessária é fundamental dentro desta nova relação com a expressão profissional.

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia ([email protected])

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